EDMUNDO MACHADO FERRAZ

MEMBRO EMÉRITO


MINICURRICULO

  • Falar do Prof. Edmundo Machado Ferraz é uma tarefa muito difícil pois além de misturar fatos acadêmicos e profissionais, é inevitável como filho não incorporar interpretações pessoais e familiares. Tantos foram os fatos em que atuou de maneira marcante que com certeza esquecerei outros tantos episódios de sua vida, que amigos, com certeza me repreenderam. Me perdoem não será por mau.

    Papai viveu intensamente todos os seus momentos. Não era homem de meias palavras, dizia o que sentia e o que queria, mas sempre no momento certo e de maneira justa, educada e dócil. As pessoas que não se posicionam, os relutantes, aquelas que desejam estar bem com tudo e com todos, com certeza faram poucos inimigos, mas também terão poucos admiradores, poucos amigos e principalmente, muito poucos seguidores. Não formará líderes.

    Mais do que estudantes, médicos e cirurgiões, Prof. Edmundo formou cidadãos inquietos. Cidadãos que buscam melhores condições de trabalhos, cidadãos que não se conformam com uma medicina de má qualidade, e feita por pessoas descomprometidas. Cidadãos que não aceitam oferecer o tratamento diferente ao paciente público em relação ao paciente privado. Formou cidadãos que protestam trabalhando, dando exemplo. Cidadãos que em momentos de conflito, trabalham dobrado, para que a população mais carente não seja penalizada. Cidadãos que não se resignam, propõem. Este é o perfil dos discípulos que o Prof. Edmundo Ferraz formou.

    Viveu intensamente sua vida profissional. Fez medicina de ponta em um Hospital Público do Nordeste brasileiro. Sua dedicação, empenho e cuidado com o paciente que procurava o Hospital das Clínicas da UFPE, o fizeram uma verdadeira unanimidade de trabalho e seriedade. Sempre repetia: “seja o primeiro a chegar e o último a sair. Se fizer isso ganhará a admiração e o respeito de todos”. Poucos funcionários públicos tiveram a dedicação que o Prof. Edmundo demonstrou em toda a sua vida Universitária. Acompanhei esta dedicação de perto. Durante mais de 20 anos, auxiliei todas as cirurgias privadas realizadas por ele, sempre após as 19 horas. Inúmeras foram as vezes que saímos da cirurgia e nos dirigimos direto para o Hospital das Clínicas, pois a cirurgia se estendeu pela madrugada. Nada, absolutamente nada, poderia comprometer o horário de trabalho no Hospital das Clínicas.

    Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco em 1963, defendeu Doutorado em Cirurgia em 1971. Foi aprovado no concurso de Livre-Docência em 1975, e, neste mesmo ano foi para Londres fazer Pós-Doutorado, como bolsista do British Council, no Guy´s Hospital.
    Foi aprovado em 17 concursos em sua carreira acadêmica, incluindo os de Professor Titular da Disciplina de Técnica Cirúrgica em 1987 e o de Professor Titular na Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo no ano de 1990. Implantou e coordenou a Residência de Cirurgia do Aparelho Digestivo, e o Doutorado em Medicina no ano de 1989 na UFPE.
    Em 1993 foi eleito por aclamação presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva. O primeiro fora de São Paulo.
    Em 1997 foi o presidente do Congresso do Colégio Brasileiro de Cirurgiões realizado pela primeira vez fora do eixo Rio-São Paulo, em Recife. E em 2008, foi eleito o primeiro presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgiões que não era nem do RJ nem de SP.

    Sua vida acadêmica foi muito produtiva. Fundou a Surgical Infection Society – Latin America, foi consultor da OMS em Controle de Infecção, Uso de Antibióticos e de Cirurgia Segura, foi editor de mais de 15 livros, escreveu mais de 170 capítulos de livros, publicou mais de 180 artigos.
    Mas o trabalho foi apenas uma parte de sua vida. Viveu intensamente sua vida familiar, com minha mãe, comigo, meus irmãos, noras e netos.
    Certo dia, quando foi homenageado no Encontro de Iniciação Científica da Universidade Federal de Pernambuco, falando para os alunos mais jovens discorreu sobre a busca desesperada de alguns, pelo que entendem ser qualidade de vida. Muitos acham que qualidade de vida é trabalhar pouco e ter mais tempo para o lazer. Pontuou naquele momento que, tem qualidade de vida quem faz o que gosta. Quando não se faz o que gosta, todo o tempo do mundo será pouco para descansar e relaxar.

    E são através destas lembranças que encho meu coração de esperança que a semente plantada por papai floresça em muitos corações. E não estou falando aqui das sementes profissionais, que foram inúmeras. Estou falando das sementes de caráter, dedicação e principalmente a semente da lealdade. Lealdade aos princípios, amigos e a família.
    Hoje estamos com um vazio enorme no coração, mas ao mesmo tempo com uma sensação de orgulho indescritível. Ouvir histórias emocionadas de situações vividas por ele. Todos esses relatos nos encheram de orgulho e agora nos enchem de esperança que o seu legado e que suas ideias sejam perpetuadas.
    Este é um momento de muita esperança, fé e de agradecimento.

    E toda vez que penso em agradecer, lembro-me das palavras de São Tomás de Aquino, expostos em seu tratado da Gratidão. Ele define a gratidão em 3 níveis: a gratidão superficial, que é a gratidão do reconhecimento, o do reconhecimento intelectual, o reconhecimento cerebral. A gratidão intermediária, que é o nível do agradecimento de dar graças aquilo que alguém fez por nós. O terceiro nível, o mais profundo, é o nível do vínculo, do convívio, do compromisso. É isso que estamos fazendo hoje aqui. Agradecendo a Deus a oportunidade dos três níveis. Agradecendo a Deus por ter tido a oportunidade de receber de Edmundo Ferraz tudo que nos fez professar os três níveis de gratidão.

    Não posso deixar de agradecer o fato de ter convivido com meu pai durante 51 anos. Tempo mais que suficiente para ter em mim sedimentada, suas ideias, seus princípios e seus ideais. Não tenho direito de reclamar. Queria mais. Todos querem, mas sou grato por cada momento juntos que tivemos.

    Agradeço a oportunidade de ter convivido com ele, ter aprendido com ele e principalmente, por ter sido cuidado por ele.
    O que nos resta agora, é reafirmar o compromisso de cuidar para que sua memória seja sempre cultivada e lembrada.
    Muito obrigado.

    Alvaro Bandeira Ferraz, TCBC